Uma resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre as pessoas LGBT

Fonte: Distrito de Espanha e Portugal

O Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), cujo Prefeito é agora o Cardeal Victor Manuel Fernández, publicou uma resposta a D. José Negri, Bispo de Santo Amaro, no Brasil, «contendo algumas questões a respeito da possível participação nos sacramentos do Baptismo e do Matrimónio por parte de pessoas transexuais e de pessoas homoafectivas».

Esta resposta recebeu a aprovação, assinada pelo Papa Francisco, durante a audiência de 31 de Outubro. Contém seis questões sobre a possibilidade de baptizar os transexuais, a sua admissibilidade como padrinhos ou madrinhas num Baptismo ou como testemunhas num Matrimónio. Segue-se o caso dos homossexuais: o Baptismo de uma criança adoptada, o apadrinhamento e a possibilidade de ser testemunha num Matrimónio.

Considerações preliminares

Estas respostas são marcadas por uma ausência flagrante: a questão do pecado cometido, a situação de pecado e a persistência num estado sem arrependimento. A noção de escândalo é mencionada, mas a situação objectiva das pessoas, com as consequências que isso implica para a possibilidade de levar uma vida cristã ou de dar o exemplo, é negligenciada.

É de salientar que o Código de Direito Canónico reformado em 1983 abandonou a noção de «pecador público» e a conotação jurídica associada de «infâmia». No Código de Direito Canónico de 1917, elaborado pelo Papa São Pio X, a infâmia tornava impossível o apadrinhamento.

A chave para toda a reflexão da resposta é retirada da encíclica Evangelii Gaudium: «Nem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer. Isto vale sobretudo quando se trata daquele sacramento que é a “porta”: o Baptismo (...) Mas a Igreja não é uma alfândega; é a casa paterna, onde há lugar para todos com a sua vida fadigosa.»

Apesar de certas precauções, esta atitude é, de facto, a denunciada pelo quinto dubium dos cinco cardeais enviado ao Papa em Julho, que diz respeito à necessidade de arrependimento para receber a absolvição. A questão diz respeito ao Baptismo e o Matrimónio, mas a base continua a ser a mesma.

As três primeiras respostas sobre os transexuais

A primeira questão é: «Um transexual pode ser baptizado?» A longa resposta começa por dizer «sim», pedindo, no entanto, para evitar o escândalo público ou a desorientação dos fiéis. Mas, depois de citar Francisco (Evangelii Gaudium), a resposta é diluída e a possibilidade é confirmada, mesmo que «no penitente não apareça de modo plenamente manifesto um propósito de emenda».

A questão é esta: a pessoa que pede o Baptismo vive em conformidade com a fé e tem a firme intenção de renunciar ao pecado contido na transexualidade? Esta intenção deve ser confirmada por actos. Se a pessoa não foi operada e/ou não está a fazer tratamento, está disposta a comprometer-se a não o fazer? E se foi operada, existe um verdadeiro arrependimento?

Sem esta firme intenção, o Baptismo não pode ser conferido. A resposta do DDF afoga o pecado nas dúvidas sobre a situação moral objectiva da pessoa ou na incerteza das suas disposições subjectivas, acreditando que o futuro é imprevisível e que é preciso dar uma oportunidade.

A segunda questão é: «Um transexual pode ser padrinho ou madrinha de Baptismo?» A resposta foi afirmativa, mesmo que tenham sido submetidos a tratamentos hormonais e cirurgias. Mas, admite, como ser padrinho não é um direito, deve renunciar-se a ele se houver risco de escândalo, de legitimação indevida ou de desorientação da comunidade eclesial.

Se a situação do transexual for pública, o Código de Direito Canónico de 1917 recusará o apadrinhamento. Isto porque um adulto que muda de sexo livremente comete um pecado grave e é considerado um pecador público, o que resolve a questão. Se a situação for oculta, a resposta poderá ser diferente, mas a avaliação pastoral terá de ser cautelosa e a situação actual não encoraja a aceitação.

Finalmente, a terceira questão: «Um transexual pode ser testemunha de um Matrimónio?» A situação aqui é diferente da do Baptismo, porque a única condição exigida para ser testemunha num Matrimónio é a capacidade de desempenhar a função. A resposta diz que «não existe nada na vigente legislação canónica universal que proíba uma pessoa transexual de ser testemunha de um Matrimónio.»

Mas esta resposta é demasiado curta. Em termos de direito eclesiástico, está correcta. Mas, em matéria de direito natural e divino, o escândalo deve ser tido em conta. É preciso, portanto, distinguir, mais uma vez, entre a situação pública e o caso oculto. No primeiro caso, parece difícil evitar o escândalo; no segundo, a questão terá de ser ponderada segundo a prudência pastoral.

As três respostas relativas aos homossexuais

A quarta questão diz respeito ao Baptismo dos filhos de um casal homossexual: «Duas pessoas homoafectivas podem figurar como genitores de uma criança que deve ser baptizada e que foi adoptada ou concebida com outros métodos, como a “barriga de aluguer”?» A resposta é «sim», se «existir a fundada esperança de que será educada na religião católica».

É evidente que só podemos desejar o Baptismo de todas as crianças se a condição dada estiver preenchida. Mas a situação não dá realmente esperança de que isso possa acontecer. Como é que uma criança educada nas condições de um tal lar poderá escapar à contaminação dos costumes, das ideias ou do pecado que essa coabitação transmite?

A situação é claramente diferente da dos divorciados recasados, onde a natureza é respeitada na sua essência. Assim, salvo casos muito especiais, não parece possível baptizar uma criança nestas condições.

A quinta questão é: «Uma pessoa homoafectiva e que convive [maritalmente] pode ser padrinho de um Baptismo?» A resposta é «sim», se ele ou ela «levar uma vida de acordo com a fé e o encargo que vai assumir». Mas se essa coabitação é clara e publicamente uma vida «conjugal», então a resposta dá voltas e reviravoltas, deixando a causa à prudência do pastor.

A questão reside, em última análise, no facto de o pecado ser oculto ou público. No primeiro caso, a possibilidade está, de facto, aberta à prudência do pastor. Mas no segundo caso, a situação de «pecado público» está estabelecida e o apadrinhamento deve ser recusado.

A sexta questão perguntava se «uma pessoa homoafectiva e que convive [maritalmente] pode ser testemunha de um Matrimónio». A resposta do DDF é a mesma que para um transexual. Quanto à resposta católica, é preciso retomar o que foi dito anteriormente sobre a distinção entre situações públicas e ocultas: as primeiras seriam escandalosas, enquanto as segundas seriam uma possibilidade aberta.

Conclusão

Estas respostas estão de acordo com a direcção tomada pelo Papa Francisco na esfera moral desde Amoris Lætitia: uma mudança gradual, suficientemente lenta para não alarmar as consciências, destinada a impor à Igreja uma nova concepção da moral e da própria Igreja.

Mas até onde é que o Papa quer ir? Será que ele sabe? Não é certo. Mas, por outro lado, lançou um processo que conduzirá alguns fiéis, e mesmo alguns pastores, para fora dos limites da doutrina católica...