Sermão de Mons. Lefebvre na festa de Cristo Rei

Fonte: Distrito de Espanha e Portugal

Meus queridos amigos,   

Meus queridos irmãos,

Na magnífica encíclica Quas Primas, do Papa Pio XI, que institui a festa de Cristo Rei, o Papa explica porque é que Nosso Senhor Jesus Cristo é verdadeiramente Rei e apresenta duas razões profundas, duas razões particulares. Sem dúvida, há todas as evidências bíblicas. Acabastes de ler o Evangelho, de o entender, em que Nosso Senhor Jesus Cristo Se proclama Ele próprio Rei, e muitas passagens dos Salmos e do Novo Testamento exprimem a mesma qualidade de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ele é Rei!

Mas o Papa Pio XI teve o cuidado de aprofundar as razões desta realeza. A primeira é aquilo a que a Igreja chama união hipostática, a união da Pessoa divina com a natureza humana. Nosso Senhor é Rei porque é Deus. E, de facto, não há duas pessoas em Nosso Senhor Jesus Cristo; não há uma pessoa humana e uma pessoa divina; há uma só Pessoa: a Pessoa divina que assumiu directamente, sem passar pelo intermediário de uma pessoa humana, uma alma humana e um corpo humano. Por conseguinte, quando falamos de Jesus Cristo, estamos a falar da Pessoa de Jesus Cristo.

Ora, esta Pessoa de Jesus Cristo é uma Pessoa divina. Jesus Cristo é, certamente, Deus e homem, pois assumiu uma alma e um corpo humanos.

Assim, a alma humana de Nosso Senhor Jesus Cristo e o Seu corpo tornaram-se tão intimamente unidos a Deus que não podem ser separados, de tal modo que é toda a Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo que é divinizada, que é divina e que diviniza a Sua alma e o Seu corpo.

E, por conseguinte, Nosso Senhor Jesus Cristo, tal como Se apresentou nos caminhos da Palestina, tal como Se apresentou até em Belém como Menino, Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei. E não é só isso. Ele tem o carácter da realeza, mas a Igreja ensina-nos que, por esta união de Deus com a natureza humana, com a alma e o corpo humanos que Nosso Senhor Jesus Cristo assumiu, Nosso Senhor é essencialmente, por natureza, o Salvador, o Sacerdote e o Rei. Essencialmente.

Ele não pode deixar de ser o Salvador, porque só Ele pode dizer que é Deus. É o único que pode dizer que é o Sacerdote, o Pontífice, Aquele que faz realmente a ligação entre o Céu e a Terra. É também o único que pode dizer que é o Rei. E se não é rei segundo este mundo, para um determinado território e mesmo só para a terra, para os homens, de facto, Nosso Senhor é Rei, não só da terra, mas é o Rei do Céu.

Esta é a primeira razão profunda da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo. E temos de estar convencidos disso, para vermos em Nosso Senhor Jesus Cristo o nosso Rei, o nosso Rei pessoal. Nosso Senhor Jesus Cristo é o nosso Rei.

Mas Ele também é Rei por uma segunda razão e o Papa Pio XI explica-a muito bem. Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei por conquista. Por que conquista? Porque Nosso Senhor Jesus Cristo nos conquistou a todos pelo Seu Sangue, pela Sua Cruz, pelo Calvário: Regnavit a ligno Deus: «Deus reinou pelo madeiro», isto é, pela Cruz. Efectivamente, Nosso Senhor Jesus Cristo conquistou, por um direito, um direito estrito, todas as almas, quaisquer que elas sejam. Todas as almas que serão criadas por Deus e que viverão um só instante aqui na terra, são por direito súbditas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque Ele as conquistou com o Seu Sangue, deve redimi-las; quer redimi-las; deseja redimi-las todas e aplicar o Seu Sangue, o Seu divino Sangue, para redimir as almas e levá-las a Deus e conduzi-las a Deus.

Sim, Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Seu Sangue e pela Sua Cruz, é também, por direito, o nosso Rei. E é por isso que, nos primeiros séculos após a Paz de Constantino, quando os cristãos puderam apresentar oficialmente a Cruz nas suas igrejas, nos seus templos, nos seus locais de reunião, representavam habitualmente Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei, coroado, coroado com a coroa dos reis. Porque Cristo é, de facto, o nosso Rei e é-o através da Cruz.

Assim, devemos perguntar-nos, como consequência destes princípios, desta natureza de Nosso Senhor Jesus Cristo como Rei e desta conquista que Jesus fez dos nossos corações e das nossas almas – pela Sua morte na Cruz –, devemos perguntar-nos se Nosso Senhor Jesus Cristo é realmente na prática, diariamente, em todas as nossas acções, em todos os nossos pensamentos, é realmente o nosso Rei?

Na sua encíclica, o Papa Pio XI explica como Nosso Senhor Jesus Cristo deve ser Rei para nós. Ele deve ser o Rei das nossas mentes. Sim, dos nossos pensamentos, porque ele é a Verdade. Jesus Cristo é a Verdade porque é Deus. Então, será que Nosso Senhor Jesus Cristo é realmente o Rei dos nossos pensamentos? É realmente Ele que guia todos os nossos pensamentos, as nossas reflexões, a nossa vida intelectual, a vida da nossa fé? Será que Nosso Senhor Jesus Cristo é realmente Aquele que é a luz das nossas mentes?

E Nosso Senhor Jesus Cristo é também o Rei das nossas vontades. Ele é a Lei. Se as tábuas da Lei estavam na Arca da Aliança, no Antigo Testamento, elas representavam precisamente Nosso Senhor Jesus Cristo que está hoje nos nossos tabernáculos.

Mas com que superioridade hoje! Hoje temos a Lei nos nossos tabernáculos, nos nossos arcos da aliança. Já não se trata de orações frias, mas do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele que é a Lei. A Palavra de Deus é a Lei pela qual todas as coisas foram feitas, na qual todas as coisas foram criadas. E Ele é a Lei não só das almas, das mentes e das vontades, mas Ele é a Lei de toda a natureza.

Todas as leis que descobrimos na natureza vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo, vêm da Palavra de Deus. E quando pensamos que todas as criaturas seguem as leis de Deus, sejam as leis físicas, as leis químicas, as leis da natureza, a natureza vegetativa, a natureza sensível, a natureza animal, essas leis são seguidas impecavelmente. E nós, que devemos seguir exactamente a lei de Deus, que está escrita no nosso coração, de uma forma inteligente e livre, devemos, precisamente por causa da nossa liberdade, agarrar-nos a esta lei que é o caminho para a nossa felicidade, o caminho para a vida eterna.

Os homens afastaram-se da lei. Por isso, Nosso Senhor Jesus Cristo deve ser, deve voltar a ser, o Rei das nossas vontades. E temos de conformar as nossas vontades à Sua lei, à Sua lei de amor, à Sua lei de caridade, a estes dois mandamentos que Ele deu e que Ele próprio disse conterem todos os mandamentos: «Amai a Deus, amai o vosso próximo». São um único e mesmo mandamento. Ele disse-o. Então, conformamos realmente as nossas vontades com a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo? Será Jesus o Rei das nossas vontades?

Enfim, Jesus deve ser – repete o Papa Pio XI – o Rei dos nossos corações.

O nosso coração está realmente ligado a Nosso Senhor Jesus Cristo? Temos consciência de que Nosso Senhor Jesus Cristo é tudo para nós? Omnia in omnibus, Jesus Cristo é tudo e está em todas as coisas. Ele é o Único... in ipso omnia constant, diz São Paulo. N’Ele tudo se sustenta; n’Ele vivemos; n’Ele somos; n’Ele nos movemos. É o que diz São Paulo no seu discurso ao Areópago: In ipso vivimus, In ipso movemur, In ipso sumus. N’Ele somos. Ele tem tudo na Sua mão.

Por isso, temos de nos interrogar sobre o que terão pensado a Virgem Maria e São José. Penso que este é um exemplo admirável para nós. Se queremos realmente que Jesus Cristo seja o nosso Rei, tentemos imaginar como deve ter sido Nazaré: Jesus, Maria, José.

O que é que Maria deve ter pensado de Jesus? O que é que José deve ter pensado de Jesus? É incrível... é um grande mistério, um mistério insondável da bondade e da caridade de Deus, pensar que Ele permitiu que duas criaturas escolhidas por Ele vivessem com Ele. Para São José durante trinta anos, para a Santíssima Virgem durante trinta e três anos, viver na intimidade de Jesus, na intimidade d’Aquele que é Deus; d’Aquele sem o qual nem Maria nem José podiam falar, podiam pensar, podiam viver.

Maria, levando Jesus nos braços, levava Deus nos braços. Como diz tantas vezes o Evangelho: não era Jesus que ela levava, mas Jesus que a levava. Porque Jesus era muito maior do que ela, porque era o seu Deus.

Pensem no que a Virgem Maria podia ter na sua mente, na sua vontade, no seu coração, vivendo com Jesus, vendo-O agir, vendo-O com os seus amiguinhos, vendo-O trabalhar com São José. Pois bem, também nós temos a alegria de viver com Nosso Senhor.

Se, sob a frágil aparência do Seu corpo, a Santíssima Virgem Maria adorava o Deus vivo – porque o sabia –, sabia que era o Deus vivo que tinha em sua casa; sabia-o pela anunciação do Anjo e José também o sabia perfeitamente.

Pois bem, sabemos que também nós temos Jesus vivo nos nossos tabernáculos, sob o manto frágil da Eucaristia. Jesus está lá. Não só O temos nos nossos sacrários, mas temo-Lo de uma forma ainda mais íntima do que a Virgem Maria e São José, quando Nosso Senhor Se dá a nós como alimento. Recordemos que no nosso corpo, no nosso coração, levamos verdadeiramente Jesus, levamos o Deus que nos leva. Porque sem Ele, também nós não poderíamos viver nem existir; nem dizer uma só palavra; nem pensar uma só ideia.

Por isso, trazemos esse Deus dentro de nós na Eucaristia. Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, quando O recebemos em nós, que seja o nosso Rei. Ele tem o direito de ser o nosso Rei. Que Ele nos dê os pensamentos da Virgem Maria e de São José, que Ele nos dê a vontade submetida à Sua Lei da Virgem Maria e de São José. Que Ele nos dê os corações de Maria e de José para com Ele. Estas criaturas Ele escolheu desde toda a eternidade para serem os seus guardiães, para serem aqueles que viveram com Ele.

Peçamos-lhes, peçamos a Maria e a José que nos ajudem a viver sob o doce reino de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque sabemos e esperamos que um dia estaremos nesse reino e que o veremos no Seu esplendor, na Sua glória.

Como tantas vezes dizemos ao recitar o Angelus: ut per passionem et crucem, ad resurreciónis gloriam perveniam. Para que, pela Sua Paixão e pela Sua Cruz, cheguemos à glória da Sua Ressurreição.

Pois bem, também nós temos de passar pela Paixão e pela Cruz de Jesus na terra. Um dia chegaremos à glória da Sua Ressurreição. Essa glória que ilumina o Céu, que é o Céu, porque Deus é o Céu. Porque Nosso Senhor Jesus Cristo é o Céu. Nele viveremos com a graça de Deus, pela graça de Deus, se já O temos como Rei aqui em baixo, então tê-Lo-emos como Rei da glória por toda a eternidade.

Peçamos, hoje, à Santíssima Virgem Maria e a São José, não só por nós, mas também pelas nossas famílias, por todos aqueles que nos rodeiam; que venham à luz de Nosso Senhor Jesus Cristo aqueles que O conhecem mal, que não Lhe obedecem, que se afastam d’Ele; tenhamos piedade de todas as almas que não conhecem o Rei de amor e de glória em Quem temos a alegria de acreditar, que temos a alegria de amar.

Peçamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, a Maria e a José que convertam todas estas almas a Jesus Cristo.

Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.

 

† Marcel Lefebvre – 28 de Outubro de 1979