O Purgatório existe?

Fonte: Distrito de Espanha e Portugal

Neste mês de Novembro, a Igreja convida-nos a rezar pelos defuntos. Depois de termos celebrado todos os Santos do Céu, olhamos com compaixão para as almas do Purgatório. Mas o que é o Purgatório? Existe, onde fica, o que é que lá acontece? Agradecemos ao Padre Louis-Marie Carlhian, da Fraternidade de São Pio X, por responder a estas perguntas.

O Purgatório é uma teoria dos teólogos medievais?

Esta é a clássica acusação dos cismáticos ortodoxos e dos racionalistas... No entanto, a existência do Purgatório é um dogma de fé, acreditado desde sempre na Igreja, e encontram-se vestígios dele nas Escrituras. De facto, fala-se de orações pelos defuntos. Ora, se os defuntos estão no Paraíso, não há necessidade de rezar por eles, nem mesmo se estão no Inferno, pois a permanência nesses lugares é definitiva! A prática destas orações e sacrifícios é, portanto, um sinal suficiente para estabelecer a crença num lugar intermédio entre a Terra e o Céu, do qual podemos ser libertados pelas orações. Este ponto foi definido pelos Concílios de Lyon, Florença e Trento.

O Purgatório está presente na Sagrada Escritura?

O Segundo Livro dos Macabeus relata que, no dia seguinte a uma batalha contra os sírios, Judas Macabeu descobriu, sob as túnicas dos seus soldados mortos em combate, ídolos provenientes do saque de Jâmnia. Tratava-se de uma ofensa à lei de Moisés e Judas considerou que a morte destes homens era um castigo de Deus:

«Bendisseram, pois, a mão do Senhor, justo juiz, que faz aparecer as coisas ocultas, e puseram-se em oração, para lhe implorar perdão completo pelo pecado cometido. O nobre Judas convocou a multidão e exortava-a a evitar qualquer transgressão, tendo diante dos olhos o mal que tinha sucedido aos que, pouco antes, tinham morrido por causa dos pecados. E mandou fazer uma colecta, recolhendo cerca de duas mil dracmas, que enviou a Jerusalém, para que se oferecesse um sacrifício pelo pecado, agindo digna e santamente ao pensar na ressurreição; porque, se não esperasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. E acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente. Era este um pensamento santo e piedoso. Por isso pediu um sacrifício expiatório, para que os mortos fossem livres das suas faltas.» (2 Mac 12, 41-46).

No Novo Testamento, a existência do Purgatório não é explicitamente declarada em nenhuma parte. Todavia, podemos citar diversas alusões a um estado de purificação que não é um Inferno: «Por isso vos digo: Todo o pecado ou blasfémia será perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito não lhes será perdoada. E se alguém disser alguma palavra contra o Filho do Homem, há-de ser-lhe perdoado; mas se falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste mundo nem no futuro.» (Mt 12, 31-32).

Os primeiros cristãos acreditavam no Purgatório?

Os primeiros cristãos celebravam os Santos Mistérios à volta dos túmulos dos mártires. Muito cedo começaram a rezar por aqueles que, não sendo mártires, podiam precisar de sufrágios. Assim, os Acta Ioannis, por volta de 160, falam de São João que reza sobre um túmulo e celebra a Fractio Panis no terceiro dia após a morte de um cristão. Santo Agostinho considera que se trata de uma prática universal, São João Damasceno faz remontar esta tradição aos Apóstolos e até Dionísio assegura que se reza pelos defuntos. Aqui podemos aplicar o princípio teológico: «Lex orandi, lex credendi» (a lei da oração é uma regra de fé, porque é um testemunho certo da crença comum de toda a Igreja).

Onde é o Purgatório?

Nem a Sagrada Escritura nem a Tradição nos dão informações precisas sobre este assunto. Falamos dos «infernos», expressão latina que significa os lugares inferiores, abaixo da terra, onde as crenças pagãs situavam o além. A tradição cristã utiliza esta expressão para opor o Céu, que está em cima, aos infernos, que estão em baixo... Distinguem-se diferentes lugares: o Inferno dos condenados, o Limbo das crianças mortas sem Baptismo, o Limbo dos Patriarcas e o Purgatório. Mas serão estes lugares propriamente ditos, uma vez que os que lá se encontram estão privados do próprio corpo? A teologia mantém um prudente silêncio sobre este assunto, sublinhando que a resposta não afecta a nossa salvação...

Uma vez que somos redimidos pelos méritos superabundantes de Nosso Senhor, para que serve uma nova purificação?

A satisfação oferecida por Nosso Senhor na Cruz é, obviamente, mais do que suficiente para remir todos os nossos pecados. Porém, devemos considerar dois aspectos no pecado: por um lado, a desobediência ao Criador e, por outro, o apego desordenado à criatura. Se o primeiro aspecto é completamente reparado pela contrição e pela confissão, em virtude dos méritos de Nosso Senhor, o segundo deve sê-lo pela nossa contribuição. Deus permite-nos, assim, participar na nossa redenção. Não declara São Paulo: «Completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo»? Por outras palavras, temos ainda de expiar o nosso apego às coisas deste mundo, que impede Deus de reinar totalmente sobre as nossas almas. Se nos livrarmos das faltas graves incompatíveis com o amor de Deus, restam na nossa alma as imperfeições a eliminar: pecados veniais não confessados, penas temporais devidas pelos pecados mortais imputados, os restos de vícios não completamente purgados. A teologia compara facilmente esta purificação a um fogo que não consome a matéria pesada, mas destrói as «lascas» ou «escórias» que permanecem na alma. Esta expiação tem lugar nesta terra, através das boas obras, ou no Purgatório.

Pode-se acrescentar que seria impróprio que Deus tratasse todas as almas ou como santas ou como condenadas. É lógico que exista um estado intermédio para aqueles que não expiaram todos os seus defeitos. Mesmo alguns povos pagãos admitiram a existência de uma condenação temporária depois da morte.

Em que consistem as penas do Purgatório? São muito duras?

«Há duas penas no Purgatório: a pena de dano, ou seja, o adiamento da visão de Deus; a pena dos sentidos, isto é, o tormento infligido pelo fogo. O mais pequeno grau de uma e de outra supera a maior dor que possa ser suportada em vida.» – São Tomás de Aquino, Summa Theologica, IIIa Pars, Q. 70, artigo 3. A nossa alma, no fim desta vida, sente um desejo violento de se unir a Deus, porque já não está limitada pelo corpo e vislumbra a imensidade da felicidade do Céu. O tormento que sente pela dor do dano é, pois, terrível e só é atenuado pela certeza de que acabará. Quanto à dor dos sentidos, atinge a alma directamente na sensibilidade que dá ao corpo e se faz sentir com maior força.

No entanto, as penas do Purgatório são muito diferentes das do Inferno, porque purificam as almas em vez de as castigar. As almas do Purgatório possuem as virtudes da esperança e da caridade, ao contrário dos condenados. Por isso, têm um grande desejo de se unirem a Deus e aceitam a penitência que lhes é infligida como meio de salvação. Esta punição, imposta por Deus, não pode ser aceite livremente, caso contrário seria transformada num meio de mérito. A caridade não aumenta nelas, mas, à medida que diminuem os obstáculos que ainda impedem de produzir todo o seu efeito, sentem-na cada vez mais forte, enquanto se aproximam da salvação.

Devemos ajudar as almas do Purgatório? Como?

Temos o dever de ajudar os defuntos que estão à espera de entrar no Paraíso:

  • É um acto de caridade que toca as almas amadas por Deus;
  • Estas almas podem rezar por nós quando entrarem no Paraíso;
  • Por vezes, somos responsáveis pelos pecados cometidos nesta terra pelos defuntos;
  • Devemos rezar particularmente pelos nossos entes queridos e pela nossa família.

A Igreja dirigiu sempre as suas súplicas pelas almas dos defuntos da forma mais solícita e oficial: o memento dos defuntos, no Cânone da Missa, faz-nos rezar todos os dias para que os defuntos encontrem «um lugar de consolação, de luz e de paz». A Missa é, pois, o primeiro e mais eficaz meio para aliviar as suas penas, oferecendo-lhes o Sacrifício ou simplesmente oferecendo-lhes a Comunhão. A Igreja abre-lhes também o tesouro das indulgências. Enfim, podemos também oferecer as grandes obras da vida cristã, a oração, o jejum e a esmola. Chama-se a isto sufrágio. A razão é que estas almas estão unidas a nós pela Comunhão dos Santos, quer dizer, pela união em Nosso Senhor através da Caridade. Tal como os membros de um mesmo corpo se podem apoiar mutuamente, os membros da Igreja podem comunicar uns aos outros alguns dos seus méritos.

Podemos pedir graças às almas do Purgatório?

Como acabámos de dizer, estas almas estão unidas a nós pela caridade e podem rezar por nós. Deus, na Sua misericórdia, pode informá-las das orações feitas por elas ou das necessidades dos seus entes queridos e, uma vez no Paraíso, elas terão certamente conhecimento disso. Contudo, já não podem merecer e, como sublinha S. Tomás, encontram-se num estado em que precisam mais das nossas orações do que de rezar por nós. Podemos também acrescentar que a Igreja nunca lhes dirige a oração litúrgica. Por conseguinte, é possível rezar por elas, mas sem lhes atribuir um poder superior ao dos Santos do Céu!

Como evitar ir para lá?

Cada cristão deve procurar evitar o Purgatório, não só para evitar a punição, mas também para cumprir a vontade de Deus: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste». Isto é possível preservando-nos dos mais pequenos defeitos e expiando, por meio da penitência, os pecados de que fomos perdoados.