A Transfiguração de Nosso Senhor
A Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo não é propriamente um milagre, mas a cessação momentânea de um milagre: o da Encarnação do Verbo. Durante algum tempo, Jesus abdica dos direitos e prerrogativas da Sua divindade; a Sua pessoa divina esconde a Sua glória e faz-Se voluntariamente, durante toda a Sua vida terrena, um mortal. Esconde a Sua divindade para preparar a Sua Paixão. A Sua Transfiguração, ao mostrar-nos por um momento no estado glorioso em que devia ter estado durante toda a Sua vida, mostra-nos ainda mais claramente o Seu Amor por nós, o Seu ardente desejo de sofrer pelos nossos pecados e, consequentemente, o mérito infinito de tantas humilhações, ignomínias e sofrimentos assim aceites, desejados e preferidos por Sua livre vontade.
A iluminação do monte Tabor antecipa o escândalo do monte Gólgota. Aquele que seguiremos com lágrimas através de todas as fases dolorosas da Paixão é verdadeiramente, pela Sua natureza consubstancial a Deus Pai, coroado de glória e de honra, o Rei do Céu, a alegria dos Anjos, o soberano Juiz que virá um dia, em todo o esplendor da Sua majestade, julgar todos os homens...
- Este rosto, que será profanado por golpes e saliva, desfigurado, torna-se mais brilhante do que o sol do monte Tabor, transfigurado;
- Este corpo, que será completamente ferido e ensanguentado, está aqui resplandecente;
- As Suas vestes, que serão lançadas fora, são mais brilhantes do que a neve;
- No Calvário, Jesus será crucificado entre dois ladrões; no monte Tabor, está rodeado por Moisés e Elias;
- Pedro negá-lo-á; aqui afirma que é bom estar neste lugar com Nosso Senhor;
- No Gólgota não haverá uma nuvem luminosa, mas trevas, pois o Sol escurecerá;
- A voz do Pai não será ouvida; pelo contrário, o Seu Filho amado estará como que abandonado pelo Pai: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?».
A história da Transfiguração deve tornar-nos mais generosos para participar com grande espírito de fé nos sofrimentos da Sua Paixão, em sofrer tudo de boa vontade por Ele e em união com Ele. «Se Jesus Cristo é o Filho amado do Pai, não tenhas mais medo, Pedro. Já não deves duvidar da Sua omnipotência, embora esteja na cruz, nem deves perder a esperança na Sua ressurreição. Se a tua falta de fé te fez tremer até agora, deixa que a voz do Pai ao menos te tranquilize. Se não duvidas da omnipotência do Pai, porque duvidas da do Filho? Não temas, pois, os males a que Ele se expõe de boa vontade por nossa causa.» (São João Crisóstomo, sobre São Mateus).
Nem por um momento a Santíssima Virgem Maria, apesar da dor indizível do seu coração e da visão da Cruz, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos, duvidou da divindade do seu Filho crucificado.
A segunda lição da glória de Jesus transfigurado é que ela é um reflexo da glória prometida aos Seus eleitos. É uma lição de esperança. Se sofrermos com Ele, seremos glorificados com Ele, promete-nos São Paulo, que também nos diz: os sofrimentos da vida presente são desproporcionados em relação à glória que um dia se manifestará em nós, na eternidade do Céu.
Concluamos com o Papa São Leão Magno: «Que a fé de todos seja fortalecida pela pregação do Evangelho e que ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela qual o mundo foi redimido. Que ninguém tenha medo de sofrer por causa da justiça, nem duvide da recompensa prometida, porque é através do trabalho que se chega ao descanso e através da morte que se chega à vida. Uma vez que Cristo aceitou toda a fraqueza da nossa pobreza, se perseverarmos em confessá-l’O e amá-l’O, conquistaremos o que Ele conquistou e receberemos o que Ele prometeu. Quer pratiquemos os mandamentos, quer suportemos a adversidade, a voz do Pai, que ouvimos há pouco, deve ressoar sempre nos nossos ouvidos: “Este é o meu Filho muito amado, em quem me comprazo; escutai-O”.»
P. Bertrand Labouche, FSSPX
Fonte: La Porte Latine