Sobre o Sagrado Coração de Jesus

O prefácio da Missa, lido ou cantado antes do tríplice Sanctus, contém um admirável resumo da festa do dia. É uma preciosa palavra de ordem doutrinal e espiritual que a Igreja nos dá em poucas palavras.
Na festa do Sagrado Coração de Jesus, ao qual é dedicado o mês de Junho, bem como as primeiras sextas-feiras do mês, o prefácio litúrgico diz o seguinte:
No seu imenso amor, quando foi levantado na Cruz, ofereceu-se por nós; e do seu lado trespassado, deixando brotar sangue e água, fez nascer os sacramentos da Igreja, para que todos os homens, atraídos pelo seu Coração, pudessem gozar da alegria das fontes vivas da salvação.
Este texto é uma magnífica síntese, em duas partes, do mistério do Amor do Coração de Nosso Senhor.
A primeira parte apresenta Jesus sacrificado na Cruz.
«Ele amou-me e entregou-Se a Si mesmo por mim», escreve São Paulo aos Gálatas (2, 20). Voluntariamente, no Seu imenso Amor, ofereceu-Se a Si mesmo na Cruz, que se tornou o sinal do cristão, o seu orgulho e a sua glória, porque o Salvador do mundo o escolheu como instrumento de redenção. Este mistério, escondido durante séculos em Deus, tornou-se a estrada real que conduz à santidade e à felicidade eterna. A inteligência do sofrimento cristão vai buscar-lhe a sua fonte. Livro dos santos, as suas páginas foram o fundamento da civilização cristã. A prova é que, quando a Cruz é substituída por ideais humanos de paz e de ordem sem Jesus Cristo, a civilização desmorona-se. Ou Cristo reina com as bênçãos da Sua presença, ou reina com as desgraças da Sua ausência, escreveu o Cardeal Pie.
Ele ofereceu-Se por nós. Esta oblação renova-se no Santo Sacrifício da Missa, coração e gerador do cristianismo. A nova Missa, porque se afasta da teologia católica da Missa, está a esterilizar a Igreja, a esvaziar os seminários, os conventos e as paróquias.
Reconhece-se a árvore da Cruz pelos seus frutos: uma juventude ardente, famílias unidas, instituições estáveis, nações fortes e prósperas: a França de São Luís, a Inglaterra de Santo Eduardo, a Alemanha de Santo Henrique, o Portugal de Salazar. A França recuperará o seu esplendor quando se ajoelhar oficialmente perante a Cruz de Cristo, a Árvore da Vida, e não a cultura de morte do mundo contemporâneo.
As missões que plantaram a Cruz em terras distantes destruíram a feitiçaria e os falsos cultos, e estabeleceram um cristianismo ordenado e radiante.
O drama de Lutero foi ter concebido uma outra redenção, sem a graça santificante. A sua rejeição da fecunda Cruz de Jesus deu origem a centenas de seitas. Mas a Igreja, como Nossa Senhora aos pés da Cruz, é estável: tem dois mil anos de unidade, de santidade, de catolicidade e de apostolicidade, independentemente das provações que tenha sofrido ao longo dos séculos.
A segunda parte mostra-nos o Coração trespassado de Nosso Senhor, do Qual jorrou sangue e água, dando origem aos sacramentos da Igreja, para que todos os homens e mulheres, atraídos pelo Seu Coração, possam gozar das fontes vivas da salvação.
Estes são os sacramentos da Santíssima Eucaristia e do Baptismo, instituídos por amor a cada um de nós. Eles brotam de um Coração cuja caridade é infinita.
O Baptismo enobrece-nos divinamente através da vida da graça que o recém-nascido ou o catecúmeno recebe. Neste dia, nasce um filho de Deus, porque a graça divina o tornou participante da natureza divina – disse São Pedro (2 Pe 1, 4) –, apto a receber os outros sacramentos e herdeiro do Céu.
O Precioso Sangue de Jesus purifica-nos. Santa Catarina de Sena, ao confessar-se, costumava dizer: «Vou ao Sangue de Jesus». Fortalece-nos: o Sangue de Jesus é «a força dos mártires» (Ladainha do Preciosíssimo Sangue). E pacifica-nos: «pacificando pelo sangue da Sua cruz», escreve São Paulo aos Colossenses (1, 20).
Finalmente, inebria-nos com a alegria eterna de Deus, que alegra a nossa juventude, como dizemos no início da Missa. «A alegria do Senhor é que é a vossa força» (Neemias 8,10).
«No meio das bodas de Caná, o vinho acabou. Até então, os gentios (o paganismo) não tinham conhecido o vinho doce da caridade; a Sinagoga só tinha produzido uvas bravas. Cristo é a verdadeira videira, como Ele próprio diz. Só Ele pode dar o vinho que alegra o coração do homem (Salmo 103) e oferecer-nos a beber do cálice inebriante cantado por David (Salmo 22)» – Dom Guéranger, Année liturgique.
«É Nosso desejo sincero que todos aqueles que se gloriam do nome de cristãos e que se esforçam activamente por estabelecer o Reino de Cristo no mundo encontrem na devoção ao Coração de Jesus um padrão e uma fonte de unidade, de salvação e de paz. Ninguém pense, porém, que este culto prejudica as outras formas de devoção com que o povo cristão, sob a direcção da Igreja, honra o Divino Redentor. Pelo contrário, uma fervorosa devoção ao Coração de Jesus alimentará e aumentará sem dúvida, em particular, o culto da Santa Cruz e o amor ao augustíssimo Sacramento do Altar» – Encíclica de Pio XII, Haurietis aquas in gaudio, 15 de Maio de 1956.
P. Bertrand Labouche, FSSPX
Fonte: La Porte Latine