A figueira de Natanael

«Natanael disse-lhe: “Donde me conheces tu?” Jesus respondeu e disse-lhe: “Antes que Filipe te chamasse, vi-te eu, quando estavas debaixo da figueira.”»1
A vocação de Natanael conclui o primeiro capítulo do Evangelho de São João. A narração das bodas de Caná dará início ao segundo. Há pouco mais de quarenta dias, a 6 de Janeiro, Nosso Senhor tinha sido baptizado, por São João Baptista, nas águas do Jordão, não muito longe da confluência do rio com o Mar Morto. Os céus abriram-se, o Espírito de Deus desceu sob a forma de uma pomba e ouviu-se uma voz do Céu: «“Tu és o meu Filho amado, em ti pus as minhas complacências.”»2 Nesta manifestação trinitária, Cristo inicia a Sua vida pública.
Enquanto os Evangelhos Sinópticos concordam com estes acontecimentos, São João não diz nada sobre eles. Podemos supor que ele sabia que estes factos já eram conhecidos e que não valia a pena recordá-los. De facto, os outros Evangelhos já circulavam há muito tempo na cristandade, tanto quanto os apóstolos e os discípulos.
O quarto Evangelho é a obra do apóstolo João na sua extrema velhice. Talvez tenha decidido escrever depois de ter provado o cálice do martírio. Segundo a tradição, tinha quase cem anos quando o escreveu. Sendo o último dos apóstolos, completa definitivamente o Apocalipse e transmite-nos os últimos segredos da vida divina que lhe pareciam indispensáveis. Dá-nos também aquele modo diferente de conhecer Jesus que ele tinha aprendido durante todos aqueles anos passados com a Virgem Maria. Quando escreve, já passou quase meio século desde que a Mãe de Deus deixou esta terra. Há mesmo quem pense que o Prólogo, que lemos no fim das nossas Missas, é, efectivamente, a transcrição da contemplação de Nossa Senhora do mistério da Encarnação. Ela era a sua Mãe. Ele tinha-a acolhido em sua casa.
Seria infantil acreditar que este Evangelho nasceu de repente na mente de João, sem ter existido nele no momento em que ia começar a escrevê-lo. Quando São João escreveu o seu Evangelho, depois de sessenta anos de silêncio, estava a escrever sessenta anos de contemplação e de pregação: se tinha ficado tanto tempo sem dizer nada sobre o que sabia de Jesus, o que devemos pensar da sua fidelidade à memória do Mestre? Na escola de Nossa Senhora, ele, o filho do trovão, tinha aprendido a conservar tudo isso, repetindo-o no seu coração, como ela.
Continua...
P. Vincent Bétin, FSSPX
Fonte: La Porte Latine